quinta-feira, 27 de junho de 2013

Despertar filosófico

por André Assi Barreto
Fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/42/despertar-filosofico-290838-1.asp




Todo estudante e professor de Filosofia acaba, em algum momento, sendo inquirido com a pergunta “o que é a Filosofia e para que ela serve?”. Para alunos do ensino médio e de outros cursos de graduação, é preciso que os professores empreguem uma parte de seu tempo para definir o que a Filoso fia é e para justi car seu ensino. Antes de adentrar nos escritos de Platão e Aristóteles, muitas vezes é preciso convencer os alunos que eles devem ser estudados.
De mais elementar dos ramos do conhecimento, única ciência disposta a sanar todas nossas questões essenciais (de onde viemos? para onde vamos? e como devemos agir?), a Filoso fia ganhou a caricatura de enfadonha e desinteressante, além de “não servir para nada”. Quanto a esta última acusação, logo alerto meus alunos que a Filoso fia, de fato, não tem nenhuma utilidade “prática”, não no sentido de “prático” empregado pelo senso comum. Embora seja verdade que a Filoso fia pode fazer de quem a estuda um melhor escritor, orador ou argumentador, essas são consequências contingentes, o propósito do estudo da Filoso fia não é e não deve ser um desses.
A Filoso fia não tem utilidade prática, é “inútil” no mesmo sentido que a arte é inútil. Qual a utilidade de contemplar uma tela, ler um poema ou ouvir uma música? No sentido comum e cotidiano de prático, nenhuma. Contudo, com uma análise cuidadosa, percebemos que tais coisas ditas inúteis são tão ou mais importantes que as úteis. Uma excelente ilustração disso é o documentário Por que a beleza importa?, do lósofo inglês Roger Scruton, que mostra a recente busca dos ingleses por prédios construídos com base na arquitetura vitoriana que, diferentemente dos atuais, primavam pela beleza e não apenas para a funcionalidade. O mesmo se aplica a Filoso fia: embora inútil, é uma atividade indispensável e caracteristicamente humana.
A questão passa a ser, então, transmitir isso a um público desinteressado, de mentalidade cienti cista, tecnicista e imediatista, capaz de atribuir valor apenas àquilo imbuído de utilidade material e não espiritual.
Assim, o professor tem de cumprir o papel de persuasor, convencer o aluno da importância do estudo da Filoso fia; e caso pre ra-se partir de uma leitura direta dos clássicos, sem a contextualização devida, acabamos por obter o efeito inverso e a afastar da Filosofia aqueles que estão a ter um primeiro contato com ela. Para o propósito de ensinar a Filosofia, banalizá-la é tão prejudicial quanto apresentá-la para os iniciantes fazendo uma leitura direta da Metafísica de Aristóteles. Disso decorre a importância do professor não fomentar os preconceitos, mas sim dissolvê-los; o desa o torna-se mais difícil.
É válido se reportar a Sócrates e adotar sua estratégia: operar “de cima para baixo”, a discussão dos temas mais abstratos eram sempre iniciados ou muito bem ilustrados com exemplos cotidianos pelo mestre de Platão. Isso é ainda mais urgente no caso do Ensino Médio: partir do mundo circundante para chegar à abstração losó ca, despertando no aluno a relação entre as duas coisas; isso tudo sem perder o rigor e propor re exões tão rasas que não possam ser enquadradas como losó cas.
Despertada a consciência que nossa vida é regida por uma atmosfera cultural determinada por ideias filosóficas, é pouco provável que alunos e público em geral sigam a fazer troça da Filosofia. Cabe aqui o alerta apaixonado feito por Ayn Rand: “como um ser humano, você não tem escolha sobre o fato de que precisa de uma loso a. Sua única escolha é se você de ne sua loso a por um processo consciente, racional e disciplinado de pensamento e deliberação escrupulosamente lógico - ou se você permite que o seu subconsciente acumule uma pilha inútil de conclusões injusti cadas, falsas generalizações, etc (...)”.
Uma vez compreendido que viver num mundo regido por ideias losó cas não é uma escolha e que ninguém deseja se submeter às ideias dos outros, despertar essa consciência torna-se quase um dever moral para nós, professores de Filoso fia.
*André Assi Barreto é graduado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), mestrando em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da rede pública de ensino (Escola Estadual Sapopemba). Blog: www.andreassibarreto.org